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Capacidade de Previsão do Setor Elétrico em 2025 – ONS

O Oráculo de Cristal do ONS: Uma Análise Crítica da Capacidade de Previsão do Setor Elétrico em 2025

 

Introdução: Um Ano de Extremos no Setor Elétrico

O ano de 2025 ficará marcado na memória do setor elétrico brasileiro como um período de extremos. Em questão de meses, os preços da energia despencaram para valores próximos de zero e, posteriormente, dispararam para patamares que pressionaram consumidores e geradores.
No centro dessa montanha-russa de volatilidade está o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e seu principal instrumento de planejamento e precificação, o Programa Mensal de Operação (PMO).
Consequentemente, este artigo se propõe a mergulhar nos relatórios do PMO de 2025, realizando uma análise crítica da capacidade do ONS de prever o futuro do Sistema Interligado Nacional (SIN).

A Escalada Dramática dos Preços Energéticos

Do Zero ao Infinito: A Trajetória dos Custos em 2025

A análise da evolução do Custo Marginal de Operação (CMO), que serve de base para o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), revela uma trajetória impressionante.
Inicialmente, o ano começou sob uma aparente tranquilidade, com preços em R$ 7,57/MWh em janeiro, refletindo condições hidrológicas momentaneamente favoráveis.
Entretanto, essa calmaria precedeu uma tempestade de preços altos, que escalaram progressivamente até superar a marca de R$ 320/MWh em setembro. Portanto, isso representa um aumento superior a 4.000% em apenas oito meses.

Evolução Mensal dos Preços 2025

Período
SE/CO
Sul
Nordeste
Norte
Janeiro (11-17/01)
R$ 7,57
R$ 7,57
R$ 7,57
R$ 7,57
Fevereiro (15-21/02)
R$ 124,80
R$ 124,80
R$ 0,00
R$ 0,00
Março (08-14/03)
R$ 343,62
R$ 343,62
R$ 0,00
R$ 0,00
Abril (19-25/04)
R$ 199,41
R$ 200,77
R$ 131,51
R$ 131,51
Junho (21-27/06)
R$ 237,94
R$ 237,94
R$ 237,94
R$ 237,94
Julho (19-25/07)
R$ 256,30
R$ 256,30
R$ 256,30
R$ 256,30
Agosto (09-15/08)
R$ 325,15
R$ 325,15
R$ 325,15
R$ 325,15
Setembro (20-26/09)
R$ 322,21
R$ 322,21
R$ 322,21
R$ 322,21
Fonte: Relatórios PMO de 2025, ONS.

Confirmação dos Dados pelo Mercado

Essa escalada não foi apenas um artefato dos modelos computacionais. Simultaneamente, dados públicos da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) confirmam a tendência, mostrando picos de preço no mercado que ultrapassaram R$ 1.000/MWh em momentos de maior estresse do sistema ao longo do ano.

Análise das Previsões Hidrológicas: O Coração do Problema

A Importância Crítica da Energia Natural Afluente (ENA)

O coração da capacidade preditiva do ONS reside na sua habilidade de estimar a Energia Natural Afluente (ENA), ou seja, a quantidade de água que chegará aos reservatórios.
Consequentemente, a análise comparativa entre os valores previstos e os efetivamente verificados nos relatórios do PMO revela um padrão preocupante de imprecisão.

Região Sudeste/Centro-Oeste: Subestimação da Crise

O principal subsistema do país sofreu com previsões que não capturaram a severidade do período seco.
Por exemplo, em março, a ENA verificada foi de apenas 66% da Média de Longo Termo (MLT), um cenário muito mais pessimista do que o antecipado no início do ano. Além disso, essa subestimação contribuiu para decisões operativas inadequadas.

Região Sul: Volatilidade Extrema nas Previsões

Este subsistema foi palco da maior volatilidade. Primeiramente, em janeiro, o ONS subestimou drasticamente as afluências (prevendo 76% da MLT, enquanto o verificado atingiu 121%).
Posteriormente, em outros meses, conseguiu alinhar-se melhor com a realidade, como em julho, quando a ENA verificada de 137% da MLT foi mais próxima das previsões.

Região Nordeste: Padrões Erráticos de Previsão

As previsões para o Nordeste mostraram-se erráticas. Inicialmente, em janeiro, as estimativas foram pessimistas (previsto 63% vs. verificado 53%).
Contudo, em fevereiro, o padrão se inverteu, com uma superestimação da recuperação hídrica (previsto 101% vs. verificado 113%).

O Paradoxo Regional: Abundância e Escassez Coexistindo

 

Disparidades Hídricas Extremas

Talvez o insight mais poderoso da análise de 2025 seja a exposição da crescente desconexão entre as realidades hídricas regionais e o mecanismo de preço único do sistema. Especificamente, em 25 de setembro de 2025, o Brasil exibia um retrato de contrastes hídricos impressionante:
Subsistema
Nível de Energia Armazenada (EAR)
Sul
91,55%
Norte
83,11%
Nordeste
55,16%
Sudeste/Centro-Oeste
51,63%
Fonte: Painel de Reservatórios, ONS (25/09/2025).

O Problema do Preço Único

Enquanto o Sul transbordava energia, com reservatórios praticamente cheios, o Sudeste/Centro-Oeste, que concentra a maior parte da carga do país, enfrentava uma situação crítica.
No entanto, devido ao mecanismo de preço único, um consumidor no Rio Grande do Sul pagava o mesmo CMO de R$ 322,21/MWh que um consumidor em São Paulo.
Consequentemente, este modelo, que foi fundamental para a otimização e segurança do SIN, hoje envia sinais econômicos distorcidos, penalizando regiões com abundância hídrica e mascarando a gravidade da escassez em outras.

Insights Estratégicos para o Setor Elétrico

Abandonando a Ilusão da Precisão

A crise de 2025 não deve ser vista como um evento isolado, mas sim como um sintoma de desafios estruturais que precisam ser endereçados. Primeiramente, o setor deve abandonar a crença de que os modelos de previsão são oráculos infalíveis.
Portanto, é imperativo incorporar uma abordagem de gestão de risco mais robusta, tratando as previsões do ONS como um dos cenários possíveis, e não como uma certeza, especialmente em períodos de transição climática.

A Urgência dos Sinais Locacionais

A disparidade hídrica regional expõe a necessidade de debater a implementação de sinais de preço mais granulares, como o Preço por Localidade (LMP – Locational Marginal Pricing).
Consequentemente, manter um preço único em um país continental com realidades climáticas tão diversas torna-se cada vez mais ineficiente e injusto.

Adaptação à Nova Realidade Climática

A seca prolongada, que já dura uma década em algumas bacias, não é um ponto fora da curva, mas sim a nova realidade.
Portanto, os modelos de planejamento e operação precisam ser recalibrados para incorporar a crescente volatilidade e a não estacionariedade dos regimes de chuva.
Além disso, é fundamental abandonar a dependência de médias históricas que já não representam o clima atual.

Recomendações para o Futuro do Setor

Diversificação da Matriz Energética

O futuro do setor elétrico não reside em aprimorar o oráculo de cristal, mas em construir um sistema mais resiliente, diversificado e adaptável.
Isso implica em investir massivamente em fontes não-hídricas, acelerar a resposta da demanda, e, crucialmente, reformar a arquitetura de mercado.

Reforma da Arquitetura de Mercado

É essencial que os preços reflitam de forma mais fiel e granular as condições de escassez e abundância de recursos.
Consequentemente, isso requer uma revisão profunda dos mecanismos de formação de preços e dos sinais econômicos enviados aos agentes do mercado.

Conclusão: Um Chamado à Transformação

A análise dos dados de 2025 nos força a questionar as premissas que sustentam o planejamento e a operação do setor elétrico brasileiro.
Embora a capacidade de previsão do ONS seja robusta em condições normais, ela mostra-se frágil diante da nova realidade climática.
Simultaneamente, o modelo de preço único, que foi um pilar de otimização, hoje gera distorções que precisam ser corrigidas.
Portanto, a crise de 2025 é um chamado à ação, uma oportunidade para que o Brasil repense seu modelo energético e se prepare para um futuro onde a única certeza é a incerteza.
Finalmente, o setor elétrico brasileiro está diante de uma encruzilhada. As lições de 2025 devem servir como catalisador para as transformações necessárias, garantindo que o país esteja preparado para os desafios energéticos do futuro.

Referências

1.Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). (2025). Relatórios do Programa Mensal de Operação (PMO). Acessado em 26 de setembro de 2025.
2.Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). (2025). Painel de Preços. https://www.ccee.org.br/precos/painel-precos
3.Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). (2025). Painel de Reservatórios. http://www.ons.org.br/paginas/energia-agora/reservatorios
4.G1. (2025, 7 de setembro). Seca em reservatórios já dura 10 anos e país tem ponto cego.

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